sexta-feira, 10 de novembro de 2017

Esconde-esconde nas estrelas...

Quando pessoas jovens morrem tragicamente, onde foi toda a vitalidade? Não faz sentido... Tem muita vida pra viver ainda... Foram se esconder.
Felipe era uma pessoa inteligente, era boa pessoa, e o que eu mais valorizo, o que é insubstituível, ele tinha talento... Suas expressões, suas falas ficavam marcadas na memória dos que o rodeavam, memes...
Segue um dos seus últimos textos:

Tem muita gente dentro do movimento LGBT que detesta, mas é sempre necessário falar sobre esse assunto da solidão afetiva das pessoas negras LGBT, sobretudo da bicha preta, uma identidade eloquente e super estigmatizada.

Passei um final de semana maravilhoso na Chapada Diamantina, fui a trabalho, acompanhara a realização da I Parada do Orgulho LGBT do município de Andaraí. Libriana com Ascendente em Gêmeos que sou, durante a parada, me pego refletindo sobre a afetividade que permeia entre as LGBT nos seus espaços de sociabilidade (a parada e outras festividades LGBT, por exemplo).

É incrível como a cisheteronormatividade é um padrão bastante reproduzido no nosso meio. É como se fosse uma disputa, sabe? Principalmente entre os gays, quanto mais caucasiano, aparentemente bem vestido com as roupas e calçados de marcas que estão na moda, ou quanto mais magros e com corpos atléticos moldados pelas academias mais mainstream tiverem, mais chances de terem sua afetividade retribuídas pelo outro serão maiores.

É surreal em plena atualidade ainda estarmos questionando porque é tão difícil se relacionar - e porque não dizer amar, as gays negras ou bichas pretas, como preferirem chamar.

Outrora, me peguei lembrando de um diálogo com uma bicha amiga minha, obviamente negra, onde estávamos debatendo sobre essa questão da afetividade e solidão, e a mesma me questionou dizendo que esse debate era desnecessário porque o importante da vida era "chupar rola e pegar geral''. Eu me assustei com a assertiva dela em reduzir o debate a um simples sexo casual, ou pegação. Pontuei que o debate era necessário pois explicava através de uma outra perspectiva a ótica com que o racismo e a misoginia se materializa sob nossos corpos e nos renega o direito de amar e ser amado.

Quando pontuamos sobre essa questão da nossa afetividade/solidão não estamos subscrevendo o romantismo por ele mesmo, nunca é, não se trata de romantizar uma situação em específico, mas trata-se de coletivizar vivências e trajetórias semelhantes de um determinado grupo de homossexuais que são negras, que performam feminilidade através das gírias, do corpo, da vestimenta, do lugar de origem e visão de mundo e que por conta de todos esses elementos não são desejadas, são sempre deixadas de lado nos rolês por causa do racismo estruturado nas relações afetivas.

Falar sobre o direito de amar, é política também! Vale lembrar que muitos casais de gays e lésbicas lutam na justiça para terem direitos civis atendidos aos seus parceiros, para constituírem famílias, porque nossa sociedade ainda não compreende as diversas formas de amar. Portanto o direito de amar, seguirá a mesma lógica hegemonista que estrutura as sociedades dentro do sistema capitalista, será um direito de amar que segue as estruturas do patriarcado, do consumo, da cisheteronormatividade, e quem não estiver dentro destes critérios/padrão, terá seu acesso restrito. Com exceções para as LGBTs que com muita luta oriunda da organização no movimento social, atravessam décadas resistindo junto com seus parceiros enfrentando a todo tipo de opressão por acreditar no seu direito de amar, de exercer sua afetividade e sexualidade de formas plenas, assim como a maioria da sociedade cisheteronormativa vive, é por isso que lutamos por igualdade de direitos, não é a toa que estamos organizadas na luta.

É impossível travar esse debate, sem se colocar como sujeito que é afetado diretamente por todo esse processo, e não tenham dúvidas de que cansa ver todas as pessoas encaminhando as suas vidas de alguma forma, e ver que a sua não está por causa de uma filosofia de vida colocada contra nós e que fortalece toda essa estrutura na sociedade.

Por isso, não critico quando as bichas negras se relacionam com pessoas brancas, afinal quem realmente está disposto a retribuir a afetividade delas? Quem tem coragem de retribuir esse sentimento e assumir um possível relacionamento, quem? Não critico e peço que ninguém critique, pelo contrário, reflitam porque vocês nos seus respectivos locais de fala e de representação reproduzem essa lógica excludente do direito de amar. Reflitam as práticas racistas embutidas dentro de suas mentes e corações, percebam que as pessoas estão para além dos seus corpos, todos carregam histórias, subjetividades para além dos estigmas que o sistema atribui.

Não pretendo com esse texto mendigar afeto, me fazer de vítima ou de coitado, pelo contrário, quero chamar mais uma vez a atenção para essas práticas cotidianas que muitas vezes extrapolam a dinâmica entre LGBT e muitas vezes se assemelham a questões parecidas com a solidão afetiva que historicamente as mulheres negras convivem e são maquiadas pela hipersexualização dos seus corpos ou por um simples sexo casual. E isso meus caros, acontecem principalmente por causa do racismo na nossa sociedade.

O empoderamento negro é uma luta árdua e diária. É muito mais que narcisismo, tombamento ou qualquer outro jargão que pega que nem chiclete, significa pra nós resistência, afronta, é o cultivo de um amor que nunca nos foi oferecido. Esse texto é pra questionar, refletir e empoderar aqueles que curiosamente se sentem afetados pelo amor não correspondidos, e que nos fim das contas se cobram bastante por não ter o mesmo direito de amar semelhante ao que as pessoas brancas tem de forma bastante fácil.

Vale lembrar que nós bichas pretas, lutamos contra racismo, homofobia, hipersexualização e uma porrada de outras opressões. Somos levadas a acreditar que nunca teremos chances de sermos amadas e nos sentimos um lixo, um monstro por isso. E ainda assim, temos que ter tempo para nos amar e levantar nossa auto-estima, porque o sistema não tolera esse acúmulo de marcadores sociais e nos lembra diariamente que somos força de trabalho e precisamos sobreviver, trabalhar!

Ser assim é muito frustrante e doloroso, mas temos que encarar de frente que não será de um dia pra noite que destruiremos com esse sistema racista que nos priva até de sermos amadas por alguém. Até lá, farei daqui um espaço de reflexão, de união e de denúncia sobre como temos nossos direitos cerceados desde o processo de escravidão e como eles se manifestam até hoje, nos privando do direito de amar e sermos amados como somos.


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